A
razão é o aumento da temperatura em todo o globo terrestre, o que tende a
potencializar a intensidade dos eventos climáticos no futuro. "Os
extremos climáticos se tornarão muito mais frequentes daqui para
frente", afirmou Gilvan Sampaio, pesquisador do INPE.
O especialista participou na semana passada de um evento organizado pela Coppe/UFRJ sobre o impacto dos extremos climáticos para o setor elétrico. Como o sistema elétrico brasileiro é
predominantemente hidroelétrico, o pesquisador chamou atenção para a
importância de o setor estar preparado para lidar com as mudanças
climáticas. "Como o setor vai conviver com maior variabilidade
climática? Os extremos climáticos serão mais frequentes. Quando chove,
chove com maior intensidade. O período seco será mais prolongado e
intenso. Essas questões precisam ser incorporadas na operação das
hidrelétricas brasileiras", afirmou.
O aumento das temperaturas tem colocado em xeque uma máxima
conhecida entre os especialistas em meteorologia, de que no Brasil o
verão é chuvoso e o inverno, seco. Em 2014, tem ocorrido o oposto, com o
verão extremamente seco. A causa é um bloqueio atmosférico formado por
uma massa de ar quente e seca, que tem impedido o avanço das frentes
frias causadoras das chuvas.
Sampaio explicou que, normalmente, esse sistema de alta
pressão se forma no meio do oceano Atlântico. Porém, essa massa se
posicionou mais próxima ao continente desta vez. Além de impedir as
chuvas, o sistema de alta pressão se caracteriza por temperaturas
elevadas, como pode ser observado nos sucessivos recordes de
temperaturas registrados nas principais cidades brasileiras nas últimas semanas, o que tem impulsionado o uso de ar-condicionado.
A ocorrência desse fenômeno gera o aumento da
temperatura dos oceanos, intensificando o processo de evaporação. Com
isso, nuvens mais profundas são formadas e, uma vez "furado" o bloqueio
atmosférico, chuvas mais intensas ocorrem. No fim de semana passado, uma
frente fria conseguiu superar
a massa de ar quente e seca, ocasionando chuvas no Sul e no Sudeste. Em
alguns municípios no interior de São Paulo, as chuvas foram tão fortes
que pontos de alagamentos foram registrados, obrigando famílias a
deixarem as suas casas.
O especialista afirmou que a massa de ar
quente e seca voltará a ganhar força nas duas próximas semanas, elevando
novamente as temperaturas. "A expectativa é que, em março, o bloqueio
atmosférico se dissipe. Mas aí só estará restando um mês de chuvas",
afirmou. A falta de chuvas, aliada ao consumo elevado de energia,
contribuiu para reduzir significativamente o nível dos reservatórios das
hidrelétricas. Os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o
maior e mais importante do País, operam com 35,5% da capacidade, menor
nível desde 2001.
O pesquisador do Inpe disse que os modelos meteorológicos
mostram uma mudança no comportamento das chuvas. Em termos de volume,
não há nenhuma alteração significativa, exceto no possível aumento das
precipitações na região Sul (especialmente no Rio de Grande do Sul).
Contudo, o que se projeta são chuvas cada vez mais intensas e
concentradas, com longos períodos sem chuvas e temperaturas mais altas.
"Episódios o como do Espírito Santo no fim do ano passado ou de
Petrópolis há dois anos se tornarão cada vez mais comuns", comentou.
Sampaio afirmou que, com o aumento de temperatura, em regiões do
País com alta disponibilidade hídrica, as chuvas tendem a ser cada vez
mais fortes, tendo em vista a intensificação do processo de evaporação.
Em regiões com menor disponibilidade hídrica, o movimento é o inverso e a
tendência é de as secas se tornarem cada vez mais severas. "Além disso,
observa-se que a frequência de dias e noites mais frias está
diminuindo, enquanto está aumentando a frequência de dias e noites mais
quentes", explicou.
O aumento de temperatura também favorece a formação de bloqueios
atmosféricos, como o observado atualmente. "A frequência de bloqueios
como o atual pode aumentar, mas não sabemos qual o período de
recorrência. Em vez de ocorrer, por exemplo, a cada 40 anos, isso pode
ocorrer a cada 30 anos, 20 anos ou 10 anos. Não sabemos exatamente",
argumentou o pesquisador do Inpe.
Sobre a situação atual, Sampaio afirmou que os dados
meteorológicos não apontam para a formação da chamada Zona de
Convergência do Atlântico Sul, caracterizada por chuvas intensas e
constantes. "Apostar que em março irá chover em nível suficiente para
compensar a falta de chuvas em janeiro e em fevereiro é bastante
arriscado. Não há nenhuma indicação de que está sendo formada essa zona
de convergência, que faria chover por seis ou sete dias seguidos",
afirmou.
Fonte: Bonde