terça-feira, 3 de julho de 2012

O rio da minha cidade

Peixes mortos na barragem do Ribeirão Lindóia
(foto:Roberto Custódio / Jornal de Londrina) 
Estamos na cidade de São Paulo, em 1925. A menina Maria tinha 10 anos de idade quando caiu doente, com pneumonia dupla. Depois de meses convalescendo, o pai, preocupado, achou por bem que Maria deveria aprender a nadar. Dessa forma, seus pulmões ficariam mais fortes. "Meu pai me levou para o rio Tietê. Ele prendia meu maiô num anzol, ficava segurando a vara com uma corda do lado de fora do rio e dizia como eu devia fazer, enquanto desajeitadamente eu batia pernas e braços e bebia muita água", lembrou Maria. "Pois é, o Tietê tinha águas transparentes, era uma delícia no verão. Clubes surgiram nas margens do rio. O meu era o Clube Tietê, que tinha uma área delimitada no rio para as crianças darem suas primeiras braçadas."

A menina Maria morreu em 2007, aos 92 anos, pouco tempo depois de conceder esta entrevista à revista Aventuras na História. Com ela, levou o título de ter sido Maria Lenk, uma das maiores nadadoras do mundo: quebrou recordes, foi a primeira brasileira a disputar (e a vencer) provas internacionais. E tudo começou justo no rio Tietê, que, ao lado do rio Pinheiros, corta a capital paulista - e atualmente possui águas terrivelmente poluídas. Não dá mais nem para chegar perto, imagine nadar ali.

Desde que as indústrias se instalaram na capital paulista e passaram a depositar seus dejetos nos rios, o Pinheiros e o Tietê foram abandonados por moradores (e nadadores), tornando-se um símbolo da sujeira e da degradação. A cidade perdeu de vez, em 1963, os maiores parques aquáticos de que se tem notícia, quando o Tietê sediou sua última competição de remo. "Já a natação foi proibida cerca de 20 anos antes, quando atletas passaram a contrair tifo e doenças típicas da sujeira", lembra o ex-remador do Tietê Jorge Vidal, que, entre uma braçada e outra, conta que conheceu ali aquela que viria a se tornar sua esposa. "Quem diria, hoje mal conseguimos olhar para esse mesmo rio."

Mudaram o curso do Tietê, assim como ele e outros rios já mudaram o rumo da vida de muita gente. Como dizia o escritor Euclides da Cunha, o rio é a estrada para toda a vida. O artista visual Arthur Omar passou a ter outra visão de mundo depois que caiu acidentalmente no rio Amazonas e quase morreu afogado. "Acredito que estou lá até hoje, uma pequena parte, vivendo uma vida própria, num rio particular. O rio é meu. Eu defendo esse rio, não porque ele seja um patrimônio da humanidade ou porque esteja ameaçado pela cobiça internacional, mas porque ele me pertence. Ele é totalmente meu porque quando estive nele aprendi a não querer ter absolutamente nada", relata. "O fluxo não sou eu. Eu é que entro no fluxo."

Em São Paulo, os rios procuram um dono. Numa tentativa de reconciliá-los com a cidade, foi inaugurada, recentemente, uma ciclovia de 14 quilômetros que percorre parte da marginal do rio Pinheiros. Mas as águas que estão ao lado de quem pedala continuam um esgoto a céu aberto - tanto que o cheiro insuportável muitas vezes inviabiliza o passeio. Uma pesquisa recente apontou que a poluição no Tietê, por exemplo, está pior do que há 18 anos.

Os rios são marcos nas fundações das cidades. Eles trazem a água, os peixes, os alimentos, portanto, a vida. Por isso, as aglomerações humanas partem deles. Sabe-se que o desenvolvimento da agricultura irrigada nas planícies dos grandes rios foi fator econômico decisivo na fundação das primeiras cidades, nos vales dos rios Nilo (Egito), Tigre e Eufrates (Mesopotâmia) e Indo (Índia). Todos eles sofrem atualmente com a poluição, mas nenhum chegou ao ponto do Tietê. 

Fonte www.planetasustentavel.abril.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

J O G O S
Excell Jogo